quinta-feira, 28 de agosto de 2008

ANO DE 1952

Atingida duramente neste ano, a sempre flagelada pelo mar freguesia da Ribeira Quente, passa novamente por horas de amargura e ansiedade.
A 26 de Junho deste ano de 1952, uma forte catástrofe sísmica atinge fortemente este povoado. As moradias que já eram insuficientes, quer pela sua fraca construção quer pelos materiais até então usados, não resistiram ao forte baloiçar do solo e caíram parcialmente.
Só cerca de dois meses depois, a 2 de Agosto desse ano de tragédia, veio à Ribeira Quente o então Ministro do Interior, Trigo de Negreiros, a fim de observar localmente os já trabalhos em curso. É o sempre atento e oportuno Padre José Mansinho quem, de um modo vago e superficial, faz referências e essa vinda ministerial, dizendo no Livro de Assentos:
"E, assim terminou esta visita ministerial no meio das aclamações deste povo rude e bom".

ANO DE 1950

Ao longo da sua história, só se notaram na Ribeira Quente duas vocações religiosas: uma foi a de João Vieira Jerónimo Junior que não chegou ao sacerdócio, e outra, a de Antero Jacinto de Melo, feito sacerdote neste ano de 1950 - no percurso do tempo, e já no findar do século passado, também se manifestaram outras vocações como a de Luis Manuel do Rego Miúdo, que chegou à Filosofia; Luis Miguel Lima, que atingiu o 5.º ano; João Linhares Costa, que atingiu só o segundo ano e Márcio Paulo Pimentel Peixoto que frequentou a Escola Apostolica Dominicana da Ordem dos Pregadores, concluindo o Secundário.
O Padre Antero foi então, depois da sua Missa Nova celebrada na sua Igreja de São Paulo, colocado no lugar da Covoada.
Depois de um longo interregno de 50 anos, neste ano de 1950 a Ribeira Quente volta a figurar nos Serviços Nacionais de Estatística, como povoado. A primeira vez ocorreu no ano de 1864, 1878, 1890, mas depois da estatística de 1900 desapareceu totalmente e só meio século depois voltou.
A 20 de Junho deste ano de 1950, desta vez como Ministro das Obras Públicas, o engenheiro José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich, que sucedeu a Duarte Pacheco no cargo de ministro, visita a Ribeira Quente pela segunda vez. Tinha então esta freguesia 2.126 habitantes.
É o Pdre Mansinho quem descreve este acontecimento:
"Em 20 de Junho, visitou esta freguesia Sua Excelência o Ministro das Obras Públicas, Eng. José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich, pelas dezassete horas, acompanhado de uma numerosa comitiva, por alguns engenheiros do seu ministério, tendo estudado demoradamente, "in loc", todas as necessidades desta terra: porto, bairro piscatório, muralha da ribeira do porto dos barcos e ainda a nova estrada para a praia de banhos do Fogo, certificando-se e atendendo com a melhor das atenções ao péssimo estado desta freguesia".
Esta linguagem, embora hoje nos pareça bajulatória, não o era, porque era uma linguagem quase convencional, cujo fecho redundava sempre em novas promessas por parte do lisonjeado, que raramente eram cumpridas.
Embora a necessidade de novas habitações fosse premente, nada resultou desta visita ministerial, isto é:
Não foi feito fosse o fosse no porto da Ribeira Quente; não foi feita nenhuma estrada nova entre a Ribeira e o Fogo, por isso o mar continuou a comer a terra neste percurso do litoral; não foi feito nenhum bairro piscatório nem nenhum paredão de protecção às águas da Ribeira. Por isso, foram as entidades locais, concelhias e de ilha, que deram seguros passos para que algo fosse feito em prol do povo da Ribeira Quente, porque já era grave a situação social em matéria de agregados famíliares, visto que muitos dos velhos e novos casais viviam aboletados em velhos casebres de uma só divisão.
Com dinheiros pedidos ao Fundo de Assistência, do Governo Civil, Junta Geral e Câmara Municipal da Povoação, foram contruídas oito modestas casas cuja empreitada foi adjudicada a um filho deste lugar da Ribeira Quente, ao carpinteiro Diniz de Melo Cidade.
Pouco experiente na matéria de avaliação, a sua proposta de 59.750$00 foi a mais baixa, por isso a empreitada lhe foi concedida.
Obrigado a cumprir com aquilo que estava preceituado no contrato, o mesmo teve de recorrer a um empréstimo de vinte e quatro mil escudos para poder concluir o trabalho, mas teve de emigrar para a Venezuela - ao tempo refúgio de quem ambicionava viver e sonhar - para poder satisfazer o seu grave compromisso.
Porque também o paredão da ribeira era impreterivelmente necessário, foi feito, o mesmo, neste mesmo ano. Embora rudimentar, porque a matéria ciclópica foi assenta sobre velhos alicerses de pedra e barro com mais de 50 anos de existência, este então monumental empreendimento foi adjudicado pela importância de trazentos e sessenta e oito contos (368.000$00), a um eventual empreiteiro das Capelas.

ANO DE 1947

Devido à perda da "Escola do Saraiva", o Padre José Mansinho havia solicitado aos governantes não só uma outra escola, mas também, o aumento de mais uma sala de aulas para o sexo feminino. Esta necessidade foi atendida e a mesma começou a funcionar em Abril deste ano. É que, segundo dados estatísticos feitos por este laborioso sacerdote, desde o ano transacto até ao fecho estatístico anual, a população havia aumentado 49 pessoas, mas das casas, sempre pobres, apenas foram feitas seis unidades!
Continuando a depender apenas do seu inseguro rendimento, sempre bastante pobre, era a Junta de Freguesia que ia, de uma forma bastante periclitante, tentando fazer alguma coisa que demonstrasse que, na realidade, algo se tentava fazer.
Foi por esta construído um lavadouro público na zona do Fogo - embora ainda não existisse água canalizada mas foi aproveitado um pequeno caudal de água insalubre - que o povo bastante louvou, porque realmente era um melhoramento.
Neste ano, a Câmara Municipal da Povoação, por razões óbvias, mandou abrir o ainda hoje actual caminho que liga as traseiras da igreja à praia do Fogo.
Com os túneis a funcionar e a experiência de alguns pescadores desta localidade na pesca industrial, nem por isso houveram notórias transformações nos rendimentos das famílias dos mesmos, porque a pesca então não criava qualquer riqueza, nem mesmo para os industriais.
Quer por efeitos traumáticos - o povo da Ribeira Quente sempre foi muito sensível aos graves acontecimentos - quer pelo não aparecimento nos mares dos Açores por um período de quase sete anos, do atum, o que deu origem a um descontentamento entre pescadores e industriais - a Corretora já possuía em 1947, sete lanchas, a Clara, a Columba, a Santo Cristo, a Santa Rita, a Bárbara Assunção, a Valentina e a Luís Costa, onde alguns pescadores da Ribeira Quente trabalhavam - logicamente sumiram-se neste período, muitos irrealizados sonhos.
Melhor estruturada, a Sociedade Corretora, que já vinha lançada desde 1940/41 em outras experiências sem ser as do mar, ao adquirir em 1944 a fábrica Dias & Dias de Vila Franca, a Salga e Salmoura, a Laurénio Tavares, quando se lançou, em 1944 à construção da fabrica de Rosto do Cão (S. Roque), fê-lo na esperança de ver crescer aquilo que já era promissor, mas que, na realidade, não foi.
Ainda assim foi a única empresa que se pôde equilibrar porque veio mais tarde a alargar a sua frota, desde 1953 até 1965, tendo comprado em 1963 a fábrica da firma Lopes, as fábricas Calheta e Santa Maria. Isto não assegurava o futuro dos pescadores da Ribeira Quente, mas deu origem a que alguns destes tivessem alternativas.
De 1947 a 1950 houve como que um interregno de não iniciativas.

ANO DE 1946 - PESCA DO ALTO MAR E TRAGÉDIA




Incentivados pelas boas perspectivas lançadas ao tempo pelo industrial Lori, e aproveitando não só a experiência alcançada por alguns velhos sábios pescadores do porto da Ribeira Quente, que estiveram ou estavam ao serviço de algumas embarcações de pesca do bonito e atum, do referido industrial dos lados de Santa Clara ou Nordela, mas também a certeza de que arranjariam facilmente tripulações na Ribeira Quente, dois comerciantes desta localidade investiram nesse tipo de embarcações motorizadas, porque o futuro parecia ser promissor.


António Inácio Flor de Lima, homem empreendedor, juntamdo-se a Manuel Pacheco de Medeiros Júnior, da Vila da Povoação, mandou fazer uma embarcação idêntica às do Lori, mesmo na Ribeira Quente, visto que já ali existiam dois valiosos carpinteiros-calafates, o Sousa e o Horácio, ambos com vastos conhecimentos de construcção de barcos de pesca artesanal.


O outro comerciante foi Luiz Linhares de Deus. Este, de parceria com o muito experiente lobo do mar da localidade, José Narciso, também se lançaram na mesma senda.


Este tipo de embarcações veio, de certo modo, revolucionar os velhos costumes dos pescadores da Ribeira Quente, porque lhes abria a porta para a pesca em mar largo.




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No ano de 1946, depois de já há muito exercerem este tipo de pesca industrial, mais chamada de pesca de alto mar, estando estas duas embarcações nas imediações da Ilha de Santa Maria, foram as mesmas apanhadas por uma tremenda tempestade - não existiam meios de comunicação a bordo porque a navegação ainda dependia mais do conhecimento dos mestres das embarcações do que da informação - que começou na noite de 4 para 5 de Outubro deste acima referido ano.


A "Lancha do Narciso" (sempre assim denominada), com este velho timoneiro ao leme, tentou fazer-se ao largo, mas foi impedida pela força do vento e vagas. Tendo sido arrastada na direcção do litoral, veio a despedaçar-se perto do "Calhau da Roupa", situado entre a Ponta do Marvão e o porto daquela ilha.


Por volta das dez horas da manhã do dia 5, a outra embarcação, depois de uma noite de odisseia, entrou espectacularmente na doca de Ponta Delgada.


Morreram dezassete pescadores no porto de Vila do Porto, entre os quais Júlio Bento do Couto, de 44 anos de idade, casado na Ribeira Quente.


No porto de Ponta Delgada, devido a esta tempestade, morreu esmagado entre a muralha e o barco do Anhanha, outro filho da Ribeira Quente, João Rita.


Também nessa noite de tempestade a escola mista conhecida como "Escola do Saraiva" foi levada pelo mar, assim como quase toda a muralha de protecção à mesma, que também protegia o acesso à Ponta do Garajau e dali avante.


A zona estre a Ribeira e o Fogo ficou profundamente cavada e a praia desapareceu porque o mar continuou a buscar o espaço que era seu.


Tinha então a Ribeira Quente uma população de 2070 almas distribuídas por 460 fogos que eram insuficientes, porque alguns dos edifícios não eram habitáveis.


Da visita feita no ano anterior pelo sub-secretário das Obras Públicas nada transpareceu além das tradicionais promessas. Porém, em Fevereiro desse ano trágico, o povo desta localidade recebeu a visita de uma viatura que andava pelos povoados dos Açores, a mostrar, através de uma câmara cinematográfica, a "Viagem Presidencial de Carmona aos Açores em 1941" e, simultaneamente, o filme trágico dos pescadores de Varzim, o "Ala-Arriba" de forte comoção!


E assim se respondia a prementes necessidades deste povo sempre a sofrer um rigoroso destino.


Foi do Livro de Assentos da paróquia que foi tirado este extracto:


"O pároco dirigiu a palavra ao povo pelo microfone, agradecendo ao Governo da Nação a sua amabilidade para tantos que só agora pela primeira vez viam cinema".


E era assim este modesto povo da Ribeira Quente, que nada recebia mas logo agradecia algo que não alterava a sua situação de miséria. Mas a linguagem do seu pároco não podia ser outra porque era assim a tradição...

ANO DE 1943 - AQUISIÇÃO DO PASSAL

Desde há muito que era uma ambição dos servidores da Igreja de São Paulo da Ribeira Quente, terem os párocos casa própria para seu alojamento a fim de não terem de recorrer a particulares, como sempre o fizeram desde que esta localidade passou a ter padre.
Já antes o Padre José Luiz Borges Vieira havia tentando erguer um passal; no entanto não foi possível, por razões óbvias.
Porque o Padre Mansinho, quando se propunha fazer algo de necessidade não se detinha; porque era insistente, embora não possuísse fundos necessários para tal empreendimento; porque a Igreja só havia atingido a importância de 6.923$43 da qual foram subtraídas as percentagens de 769$67 para o fundo diocesano e 360$50 para os indultos Pios, restou apenas para seu fundo de maneio o total de 5.793$67 que não podiam ser tocados, o Padre Mansinho deu a conhecimento ao povo da sua intenção, tendo este resolvido contribuir além dos 3% do valor do pescado que já entregava à Igreja, que era uma importância de manutenção, contribuir com os seus braços para a consecução desse empreendimento.
É do Livro de Assentos da paróquia que foi tirada esta rica passagem:
"Em 10 de Janeiro começou a desterrar-se o lugar do Passal, apareceram 150 mulheres, muitos rapazes, o que tem continuado em vários domingos".
Esta muito evidente nota de amor do povo da Ribeira Quente mostra que a par da pobreza, existia também no mesmo uma profunda riqueza na alma.
A madeira para o Passal, por rogo desse incansável sacerdote, foi oferecida pelos latifundiários das grandes propriedades que cercavam a parte montanhosa do povoado, onde abundavam a acácia, o pinho, o carvalho e o castanho. A criptoméria vinha das matas da zona da "Seladinha".
Depois de ser serrada, toda a madeira foi transportada às costas e à cabeça dos homens, crianças e mulheres da Ribeira Quente, mas tudo isto feito aos domingos.
Mas esta obra não chegou a ser levada a cabo visto que, embora o pároco já tivesse angariado dez mil escudos para a mão-de-obra necessária, o projecto gratuito e os materiais, apareceu a oportuna venda da casa do Dr. João Correia da Silva, que era de veraneio, mas muito apropriada para Passal. Por essa razão esta casa foi adquirida pela Igreja e povo, pela importância de 25.000$00.
Por consentimento diocesano foi autorizada a venda da madeira já adquirida ao então Director Escolar do distrito, professor Moniz Morgado.
Com os dinheiros excedentários foram feitas alterações neste edifício, de modo a este poder servir futuramente como passal.

PADRE JOSÉ JACINTO DA COSTA

No ano de 1940 deu entrada na Paróquia de São Paulo desta localidade o mais eficiente pároco até então ali entrado em matéria de auxílio social-burocrático, isto a 1 de Dezembro. O Rev. Padre José Jacinto da Costa, tinha sido nos últimos três anos Vigário Cooperador do Padre Ernesto Jacinto Raposo, pároco da Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe de Deus da Vila da Povoação e Ouvidor Eclesiástico do Concelho.

Como tem sido dito ao longo deste trabalho histórico, o povo da Ribeira Quente sempre esteve sociologicamente dependente dos seus párocos a fim de resolver certas situações burocráticas, não só pela razão do seu isolamento mas também. por outras razões óbvias. Por essa razão, os padres nomeados para esta paróquia, autónoma ou não, geralmente vinham da Povoação.

Metódico e grande observador, este sacerdote não só se dedicou aos trabalhos das suas obrigações espirituais, mas sim, também e, de uma maneira muito acentuada, à imperiosa missão de ajudar o povo da Ribeira Quente a safar-se da sua maneira de ser profundamente subserviente e conformado.

Pelo modo do seu comportamento, pela maneira como o povo aceitava a sua acção de solidariedade, este sacerdote logo passou a ser estimado pelo povo.

Embora não há muito colocado nesta localidade, o Padre José Jacinto da Costa que o povo da mesma chamava de O SENHOR PADRE "MINSINHO" (Mansinho dos Mansinhos de Vila Franca), logo reparou que estava perante um povo pobre, modesto, mas de forte sentimento religioso-humano que necessitava ser esclarecido acerca não só das suas obrigações sociais mas também dos seus direitos sociais-humanos. Por essa razão, ao tomar conhecimento de uma arbitrariedade imposta pelo município da Povoação, o de pagar 7% sobre todo o peixe apanhado, com a taxa de ocupação do barracão da discórdia, já antes mencionado, mas que nunca havia sido usado pelos pescadores desde o ano de 1936 porque o seu sistema tradicional de venda continuava a ser, como sempre o foi historicamente, feito à beira dos barcos, o Padre Mansinho deslocou-se propositadamente a Ponta Delgada, onde contactou no Governo Civil o seu então Secretário, Dr. José Bruno Carreiro, o qual pôs a par de férulo imposto que desde a data atrás mencionada agravava muito substancialmente a vida dos pescadores, que já arcavam com o tradicional dizimo estatal de 10%.

Posto pelo Dr. Bruno o assunto ao então Governador Civil do Distrito, o Capitão Rafael Sérgio Vieira, este achou que o mesmo assunto devia ser oficialmente feito pelos pescadores ao Ministério da Administração Interna.

Em nome dos lesados, foi o Padre Mansinho quem fez a exposição que seguiu para Lisboa, a qual era encabeçada com a assinatura de António Inácio Flor de Lima, um dos homens conceituados da Ribeira Quente.

Depois do andamento do processo o Dr. Bruno para confirmar a recepção, escreve:

"Janeiro de 1941. - Exm.º Snr. Acusando a recepção da carta de V. Ex.ª de 24 do corrente, venho comunicar-lhe o caso da exigência de taxa aos pescadores pelas áreas ocupadas pelo peixe que são obrigados a levar aos Mercados Municipais foi submetida à apreciação do Ministro do Interior. Logo que seja recebida informação, comunicá-la-ei ao senhor Padre José da Costa, que veio a este Governo Civil tratar este assunto. Julgo por isso desnecessário apresentar neste momento reclamações às Câmaras".

Visto tratar-se de um rendimento que os municípios bem necessitavam, fossem estes de carácter férulo ou não, o município ressentiu-se, mas os pescadores deixaram de pagar o imposto, não só porque não necessitavam do referido barracão, mas porque, por ironia, desde há muito este estava a servir de caserna aos militares ali aquartelados (estávamos no período da II Guerra Mundial).

Nesse mesmo ano de 1941, porque o povo da Ribeira Quente continuava a fazer parte da Freguesia de Nossa Senhora Mãe de Deus da Vila da Povoação, os eleitores deste povoado tiveram de ir cumprir a sua obrigação de votantes políticos àquela sede de concelho. Porque não haviam transportes nem públicos nem particulares na localidade e o mar não estava de feição, foi o Padre Mansinho quem resolveu a situação recorrendo ao já citado Governador Civil, o Capitão Sérgio Vieira, o qual conseguiu que uma camioneta militar ali fosse buscar, em desdobramento, os 250 eleitores da Ribeira Quente e, de volta trazê-los, depois de cumprido o dever de votantes.

Por sua vez, como sempre, a mulher da mala do correio, a já cansada Maria Arraia do "Caminho do Redondo" e, depois de entregue o saco da correspondência na camioneta dos transportes públicos que passava lá na apertada curva, descia o mesmo caminho, sempre de pé nu.

Inconformado com esta e outras situações, o metódico e activo Padre Mansinho pensou em dar uma volta a toda esta inaceitável situação de falta de humanismo e civismo como era tratado o povo da Ribeira Quente, não só pelos governantes da nação como pelos governantes de ilha e do seu próprio concelho.

Pondo-se em contacto com o Rverendo Dr. Caetano José Travassos de Lima, que então era o Conservador da Conservatória do Registo Predial da Povoação - o qual tinha muita simpatia pelo povo da Ribeira Quente devido à sua religiosidade e simplicidade - estes dois sacerdotes deram essa grande volta na mediocridade governativa.

Como homem das leis, o Padre Dr. Travassos, depois de adquiridos todos os dados indispensáveis, redigiu o requerimento necessário para ser enviado ao Ministério do Interior feito em nome do povo da Ribeira Quente, o qual pedia que este povoado já com 396 fogos e uma população de cerca de 1800 habitantes, fosse feito ferguesia por justa posição e rendimento.

O Padre Mansinho encarregou-se das necessárias assinaturas e da concordância da Junta Geral do Distrito que achou justo o requerimento, o qual foi enviado ao já referido ministério a 18 de Junho desse ano de transformações, 1941.


Anos 60 - Na foto o Padre José Jacinto da Costa (Padre José Mansinho) encontra-se a segurar o Báculo (bordão de pastor) do Bispo D. Manuel.

INAUGURAÇÃO DOS TÚNEIS - 1940




Embora já a 22 de Junho de 1939 se tivesse inaugurado com pompa e circunstância a galeria de avanço do segundo túnel de acesso à Ribeira Quente, onde não faltou o BEM VINDO para os que desciam do lado norte e o VIVA SALAZAR, do lado oposto onde estava concentrada uma massa humana do povo desta localidade que, na realidade, era quem sentia a verdadeira alegria de ver serem demolidos os últimos centmetros de terras verticais que a separava do livre acesso à mesma galeria, a verdadeira inauguração de todo o ramal, que partia da bifurcação formada por este mesmo e a estrada Furnas-Povoação, só foi feita dez meses depois, a 11 de Agosto de 1940.


E assim se pôs termo a um doloroso isolamento a que o povo da localidade da Ribeira Quente estava sujeito há cerca de 260 anos!


AS LANCHAS


Tendo adquirido umas pequenas instalações na zona do fim da freguesia de Santa Clara, isto na década de trinta do século passado, o industrial continental Virgílio Lori, depois de as ampliar e modernizar adequadamente, veio dar um grande impulso à vida de muitos pescadores em São Miguel, não só por lhes abrir o caminho para outro tipo de embarcações, como para outro tipo de pesca, a do alto mar.

Criando um tipo de embarcações até então nunca usadas em São Miguel na faina da pesca, barcos motorizados com um raio de acção que permitia a penetração no alto mar - embora ainda bastante aventureira devido à falta de recursos de orientação e comunicação - aos quais o povo se habituou a chamar de LANCHAS. Conseguiu o mesmo não só implementar um novo tipo de pesca como também, pela primeira vez, uma indústria conserveira que usava óleos ou azeites nas suas confecções.

Alguns pescadores da Ribeira Quente foram incluídos nas tripulações dessas embarcações conhecidas por as Lanchas do LORI que pescavam bonito e atum para a "Fabrica do Lori de Santa Clara", que foi muito positiva porque não só proporcionava outras alternativas a pescadores artesanais de tradição, mas também porque mantinha um relativo número de postos de trabalho a domésticas que nunca haviam sido fabris.

Há que notar que embora a Sociedade Corretora já existisse antes do Lori, esta sociedade nascida por força do ananás, ainda não existia como indústria de pesca transformadora, visto que durante os anos de 1940/41, se mantinha a fabricar rodelas de ananás e sumos nas suas instalações da Rua do Conde, em Ponta Delgada e, depois, entre 1942/43, fabricava doce de batata doce para a Cruz Vermelha Internacional, nestas mesmas instalações.

Só no ano de 1944 a Sociedade Corretora adquiriu à Dias & Dias as suas instalações em Vila Franca do Campo, a fim de incrementar a indústria de pesca em maior dimensão, alterando-a e dando-lhe a modernidade que não tinha.

Adquirindo em 1946 a fabriqueta de peixe de sal moura a Laurénio Tavares, da Rua da Vila Nova, com este alvará a Corretora construiu em 1946 a sua melhor unidade industrial de conservas de peixe em Rosto de Cão (São Roque) e, mais tarde, em 1963, adquiriu ao industrial desse ramo, de nome Lopes, a fábrica de conservas da Calheta e a de Santa Maria.

O BARRACÃO E A ELECTRIFICAÇÃO DA IGREJA

No ano de 1936, sem razão aparente que o justificasse, a Câmara Municipal da Povoação mandou construir na zona sul do "Espraiado", quase a tocar no porto natural da Ribeira Quente, um mercado de peixe que ficou conhecido por o BARRACÃO.
O edifício, que embora não fosse uma obra de grande vulto ainda assim se destacava com sobranceria dos casebres dos moradores que lhe ficavam nas redondezas e ao lado - todos de pescadores - foi uma obra realmente desnecessária.
Perfeitamente desnecessária aceitando a lógica de que na Ribeira Quente o peixe era quase um bem comum que todos usufriam, não só os que o apanhavam, como os que, como consumidores e não pescadores, o tinham facilmente à sua volta. Os vendilhões (alguns pescadores), só o adquiriam à beira dos barcos. Por essa razão a construção deste mercado não foi aceite como melhoramento mas como agravamento das dificuldades de sobrevivência desta gente, visto que o município lhes impôs um imposto de 7% sobre o pescado que já sofria do tradicional dízimo (imposto) de 10% que o governo nacional arrecadava de cada barco, através do seu fiscal directo, o histórico guarda fiscal.
Esta situação ficou por algum tempo, até que, por força de uma obrigação de colaboração, um servidor do povo no espiritual e no material, o fez desaparecer.
No ano seguinte a este acontecimento, o então pároco da Igreja de São Paulo, o Padre João de Medeiros a quem o povo chamava de "O PADRE JOÃO COUCÃO", partia em Dezembro desse ano de 1937 para os Estados Unidos.
O Vale da Povoação não só era criador de trabalhadores para exportação, como também de ministros da Igreja.
Para o substituir, veio logo depois, mas já no começo de 1938, o Padre Cristóvão de Melo Garcia, natural da então Vila da Ribeira Grande, que durante os últimos três anos havia sido Vigário Cooperador do Ouvidor Eclesiástico do Concelho, o Padre Ernesto Jacinto Raposo.
É no período de permanência do Padre Cristóvão que a Igreja de São Paulo é electrificada, porque até então, desde a sua erecção, os serviços religiosos nocturnos eram feitos à luz de lanternas a petróleo, que foram depois a acetilene, até àquele trabalho de electrificação. O custo deste empreendimento atingiu o montante de três mil setenta e um escudos e cinquenta centavos. Foi mais um sacrifício imposto ao povo da Ribeira Quente, que o recebeu com gosto, visto que desta forma enriquecia o seu templo.
Continuava a crescer proporcionalmente o número de habitantes neste povoado, por isso também a imperiosa necessidade de serem feitas mais habitações mesmo que fossem rudimentares, para fugir à miscível caldeação e acumulação de mais de um casal a viver no mesmo quarto, situação esta sempre susceptível de acontecer em povoados bastante pobres. Também a necessidade de mais embarcações era premente.
Por ironia, se era o mar que mais facultava os meios de sobrevivência desta população, também era este quem ia aos poucos roubando a terra, o espaço vital para as suas necessidades sociais de expansão!
No ano de 1939, num dia de grande tempestade que fez crescer descomunais vagas, estas vieram atingir as terras que ainda restavam desde o começo da sua absorção pelo mar e, de tal modo que pouco ficaram destas na zona compreendida entre a chamada "Zona das Vieiras" e o começo da Ponta da Albufeira ou Fogo, porque esta parte litoral continuava desportogida e sem qualquer quebra-mar.
Nesta altura, foi a família de João Vieira Jerónimo a mais atingida por ter perdido a quase totalidade do seu terreno, incluindo a sua casa de moradia que serviu parcialmente de igreja provisória cerca de dezasseis anos, após a derrocada do segundo templo de São Paulo no ano de 1900.
Nunca existiu, relativamente aos primitivos tempos da criação de um povoado piscatório na Ribeira Quente, algo que nos elucidasse acerca do tipo de embarcações então usadas. Porém, tudo nos leva a crer que fossem muito rudimentares e ali mesmo improvisadas visto que todo o espaço montanhoso desta localidade sempre foi abundante de vegetação espontânea apropriada para a construção de pequenas embarcações. Ainda na primeira metade do século XX não só a bacia ou vale da Povoação Velha possuia madeiras de cavername, como o cedro do mato, a urze e o sanguinho (planta ramnácea), como também quase toda a área do seu concelho, incluindo a Ribeira Quente. No século XIX estas embarcações eram simples e idênticas a todas as embarcações da costa sul, mas já no começo do século XX as mesmas eram de tamanho superior às embarcações de pesca da Vila da Povoação e Faial da Terra e em maior quantidade.
Foram filhos da Ribeira Quente os primeiros a possuir e a usar redes-de-arrasto para caçar cardumes de sardinha que eram muito abundantes (na altura própria), no espaço de mar entre a Ponta da Lobeira e a da Pedreira do Nordeste, mais propriamente dito no mar da Fajã do Calhau. Por vezes, devido à grande distância entre a Ribeira Quente e esta referida fajã, os pescadores e barcos pernoitavam neste lugar de então praia permanente.
Três dos proprietários deste tipo de redes (foram 5 os proprietários) foram-se fizar, dois na Vila da Povoação, e um no Faial da Terra.
O primeiro, João Peixoto, foi mais tarde fixar-se com sete filhos no lugar do Morro da Vila da Povoação, de onde deu origem a uma familia grande e prolífera que se ramificou não só nesta vila como nas suas Lombas, Faial da Terra e América do Norte.
O segundo, João Inácio, permaneceu no seu povoado de origem, onde singrou relativamente, quer social quer economicamente.
Mas o diversificado tipo de pesca então praticado, mais acentuadamente a pesca do chicharro, sardinha, cavala ou outra, mesmo quando era abundante, não alterava substancialmente o curso de vida das famílias da Ribeira Quente ligadas ao mar, porque o produto do seu trabalho só tinha uma única saída, a do tradicional sistema de venda intermediária aos vendilhões locais ou os de fora que, por sua vez iam vender o peixe fora da localidade.
Este sistema rotineiro era inalterável porque quase não havia pesca industrial. Só em Vila Franca do campo existia uma pequena fábrica conserveira da Sociedade Dias & Dias que pouco pescado absorvia e, quando absorvia, fazia-o a preços por si estipulados.
Na Vila da Povoação existiam duas firmas com tamques de salgação só para recursos de inverno, enquanto em Ponta Delgada, na Rua da Vila Nova, existia uma pequena unidade pertencente à Firma de Laurénio Tavares & Filho que praticava a salgação em salmoura, peixe que depois exportava para o chamado mercado da saudade (América do Norte), em pequenas quantidades.
Na Rua do Calhau havia uma outra pequena fabriqueta que procedia da mesma forma. Por essa razão, e porque Ponta Delgada lhes ficava distante, colocados nesta situação, os bravos homens de mar da Ribeira Quente continuavam a sobreviver com muita dificuldade, como sempre, por não terem outra alternativa.