Blog sobre a História da Freguesia da Ribeira Quente, Concelho da Povoação, Ilha de São Miguel - Açores.
terça-feira, 26 de agosto de 2008
ANO DE 1909
Antevendo como se esperava, o Padre Jacinto Moniz Borges e os seus paroquianos, o dia final da segunda Igreja desta localidade, logo que o mesmo tomou posse, em 1900, das suas obrigações de chefe espiritual, foi preparando o povo para a grande tragédia que um dia impreterivelmente aconteceria e, simultaneamente incentivando o mesmo par o dever e a obrigação de construir um novo templo.
E o previsto veio a acontecer num dia de mar elevado no ano de 1909. Este, na sua fúria, varreu a segunda Igreja e tudo aquilo que lhe ficava adjacente, inclusive o seu cemitério e as casas que naquela zona se estendiam para poente e nascente, ficando apenas alguns dos modestos casebres que se situavam ao cimo da "Canada da Igreja Velha", e parte das terras de vinha da família da Tia Chica Vieira, onde existia uma residência.
Habituado o povo ao sofrimento e às tragédias, e orientado por este ilustre e corajoso sacerdote, o Padre Jacinto, de imediato se constituiu uma Comissão Fabriqueira para a construção de um novo templo.
Dessa Comissão faziam parte Manuel Linhares de Deus, homem muito respeitado naquela localidade, presidente da mesma, o qual se deslocou propositadamente à América do Norte, mais à zona de Fall River e New Bedford onde existiam alguns filhos da Ribeira Quente e concelho da Povoação, a fim de angariar alguns fundos. Mas, porque naquela altura os nossos emigrantes também viviam uma vida financeira não muito lauta, os auxílios que de lá vieram foram relativamente poucos.
Fizeram-se também por toda a ilha, como era habitual nas suas igrejas, pedidos de cooperação, mas também pouco resultou porque naqueles tempos a pobreza morava por toda a parte.
Já sem veraneantes que os ajudasse em tamanho empreendimento da construção de uma nova igreja, visto que as propriedades do litoral foram desaparecendo à maneira que o mar as engolia, foram os pescadores desta localidade quem, por unanimidade, decidiram que dali avante cada barco de pesca passaria a ter mais um companheiro, mais um quinhoeiro chamado Senhor São Paulo.
Quer nos bons como nos maus momentos de pesca, sempre que os barcos chegavam à terra, depois de pago o dízimo de obrigação - dez por cento de todo o pescado que era arrecadado para o Estado, sem quaisquer contrapartidas - tudo era dividido na forma normal. A parte que cabia a São paulo era entregue ao tesoureiro da Comissão Fabriqueira, outro bom filho da Ribeira Quente de nome António da Costa Fravica.
Com a perda da sua segunda igreja, os cristãos da Ribeira Quente (toda a população), nem por isso deixaram de assistir à sua Santa Missa como dantes, porque desde a data em que o mar lhes roubou a mesma, as missas e demais actos de culto passaram a ser celebrados numa casa particular pertencente ao proprietário desta localidade, João Vieira Jerónimo e sua esposa Clotilde.
Sem grandes recursos financeiros mas apenas com a grande ajuda, ou a maior ajuda de todas, a dos homens do mar; sem água potável ou outra nas imediações, nem argila (barro) ali à mão, porque o que havia em pequenas quantidades só existia na parte alta da Zona do segundo cemitério desta localidade, e transporte só o faziam as mulheres à cabeça; sem cal nem artífices, visto que a Ribeira Quente tinha uma população maioritariamente de pescadores e a outra parte da população, a da zona do Fogo, que era uma minoria que susistia à custa de trabalhos prestados, como gente do campo, aos proprietários das terras altas e das pequenas parcelas que o mar tinha deixado, assim como da fajãs existentes sobre as falésias de Ponta do Garajau e Ponta da Lobeira, os quais só aos domingos podiam ajudar, foi em junção de esforços e boas vontades de todos, camponeses e pescadores, que o Padre Jacinto Moniz Borges deu início aos trabalhos de abertura dos alicerces que vieram a servir de fundo às paredes da nova igreja que, histórica e oficialmente, só veio a começar em 1911.
No percurso das ansiedades e canseiras, este grande impulsionador das obras desta nova igreja, veio lentamente a adoecer, vindo a morrer em Vila Franca do Campo, sua terra natal, em Abril de 1916 - segundo os dados colhidos em documentação facultada - "Na maior pobreza, prestando-lhe uma sentida homenagem, por ocasião do seu funeral, o rebanho que tanto estimava, o seu povo".
MURALHA DE PROTECÇÃO
Depois da morte do Padre António Jacinto de Melo, para o substituir, foi nomeado o Padre Jacinto Moniz Borges, natural de Vila Franca do Campo.
Segundo dados colhidos no arquivo da Paroquial da Ribeira Quente, de data posterior ao falecimento deste segundo servidor daquele templo, o mesmo era um homem de espírito bastante culto.
Quando colocado nesta localidade e ao ver o grau de pobreza do povo que ia ter ao seu cuidado, este se revoltou contra maneira pouco humana como a população deste povoado havia sido tratada ao longo dos tempos.
Servindo-se dos meios naturais que lhe eram facultados, tornou-se um defensor acérrimo do povo da Ribeira Quente, deste povo que sempre havia vivido esquecido no seu isolamento. Os órgãos de comunicação social escrita, na qual colaborava periodicamente, foi uma das vias escolhidas para manifestar o seu desagrado ao egoísmo e egocentrismo de certos governantes. O "Autonómico", que se publicava em Vila Franca do Campo, foi um dos jornais escolhidos, assim como o "Aurora Povoacense", visto se tratar de dois jornais que se publicavam, o primeiro na sede burocrática-religiosa, e o segundo por se publicar na sede burocrática-administrativa a que a Ribeira Quente estava sujeita.
Como anteriormente foi dito, toda a vida social da localidade da Ribeira Quente era observada pelos guias espirituais porque se tratava, quase na sua totalidade e até determinada altura, de um povo totalmente inculto como o era em outras partes que não sofriam do mesmo isolamento. Por isso, não só os acontecimentos religiosos eram registados nos registos paroquiais, como por vezes, outras ocorrências e acontecimentos extra-paróquia eram averbados nos livros de assentos, voluntariamente.
Já quando o Padre António Jacinto de Melo paroquiava esta localidade de gente humilde, a situação do seu templo era precária, em relação ao mar que lhe batia em dias de mau tempo, sem que os paroquianos e seu pastor o pudessem socorrer.
Embora desde há muito fosse do conhecimento dos governantes a triste situação desta localidade, nenhuma medida de precaução foi tomada atempadamente, que obstasse a que o mar não fosse pondo em perigo já visível, toda aquela área de penetração marítima. Só quando já nada se podia fazer nem evitar é que, num acto de contrição - embora sabendo que o lugar da Ribeira Quente só era acessível por mar - a então Junta Geral do Distrito mandou fazer uma muralha de "protecção" para quebrar o ímpeto do mar.
Mas a Ribeira Quente, quer dentro do povoadao quer no acesso a ele, só possuía modestos atalhos de movimentação humana e animal, por isso na construção dessa muralha só pôde ser usado o musculado braço do homem; os tradicionais sachos, cestos e picaretas. Por essa razão, aquilo que então ali foi feito, foi uma iniludível eructação de desabafo.
Esta muralha partia da boca da "Rua Direita" até ao "Foral do Ouvidor" que ficava em frente do prédio que havia sido do doador dos sinos para a segunda Igreja, o já citado Joze Matheus Nogueira, o qual prédio depois de ter sido vendido a Ilário Félix Barbosa de Gusmão (sem dúvida de Vila Franca do Campo), veio a ficar na posse dos herdeiros de Francisca Vieira de Lima (Tia Chica Vieira).
Larga mas não segura, visto que o fundo em que assentava não era de formação nem a Ribeira Quente então possuía qualquer pedreira de onde se pudesse extrair e conduzir mecanicamente, por falta de caminhos, quaisquer blocos de pedra de apropriada dimensão.
Segundo dados colhidos no arquivo da Paroquial da Ribeira Quente, de data posterior ao falecimento deste segundo servidor daquele templo, o mesmo era um homem de espírito bastante culto.
Quando colocado nesta localidade e ao ver o grau de pobreza do povo que ia ter ao seu cuidado, este se revoltou contra maneira pouco humana como a população deste povoado havia sido tratada ao longo dos tempos.
Servindo-se dos meios naturais que lhe eram facultados, tornou-se um defensor acérrimo do povo da Ribeira Quente, deste povo que sempre havia vivido esquecido no seu isolamento. Os órgãos de comunicação social escrita, na qual colaborava periodicamente, foi uma das vias escolhidas para manifestar o seu desagrado ao egoísmo e egocentrismo de certos governantes. O "Autonómico", que se publicava em Vila Franca do Campo, foi um dos jornais escolhidos, assim como o "Aurora Povoacense", visto se tratar de dois jornais que se publicavam, o primeiro na sede burocrática-religiosa, e o segundo por se publicar na sede burocrática-administrativa a que a Ribeira Quente estava sujeita.
Como anteriormente foi dito, toda a vida social da localidade da Ribeira Quente era observada pelos guias espirituais porque se tratava, quase na sua totalidade e até determinada altura, de um povo totalmente inculto como o era em outras partes que não sofriam do mesmo isolamento. Por isso, não só os acontecimentos religiosos eram registados nos registos paroquiais, como por vezes, outras ocorrências e acontecimentos extra-paróquia eram averbados nos livros de assentos, voluntariamente.
Já quando o Padre António Jacinto de Melo paroquiava esta localidade de gente humilde, a situação do seu templo era precária, em relação ao mar que lhe batia em dias de mau tempo, sem que os paroquianos e seu pastor o pudessem socorrer.
Embora desde há muito fosse do conhecimento dos governantes a triste situação desta localidade, nenhuma medida de precaução foi tomada atempadamente, que obstasse a que o mar não fosse pondo em perigo já visível, toda aquela área de penetração marítima. Só quando já nada se podia fazer nem evitar é que, num acto de contrição - embora sabendo que o lugar da Ribeira Quente só era acessível por mar - a então Junta Geral do Distrito mandou fazer uma muralha de "protecção" para quebrar o ímpeto do mar.
Mas a Ribeira Quente, quer dentro do povoadao quer no acesso a ele, só possuía modestos atalhos de movimentação humana e animal, por isso na construção dessa muralha só pôde ser usado o musculado braço do homem; os tradicionais sachos, cestos e picaretas. Por essa razão, aquilo que então ali foi feito, foi uma iniludível eructação de desabafo.
Esta muralha partia da boca da "Rua Direita" até ao "Foral do Ouvidor" que ficava em frente do prédio que havia sido do doador dos sinos para a segunda Igreja, o já citado Joze Matheus Nogueira, o qual prédio depois de ter sido vendido a Ilário Félix Barbosa de Gusmão (sem dúvida de Vila Franca do Campo), veio a ficar na posse dos herdeiros de Francisca Vieira de Lima (Tia Chica Vieira).
Larga mas não segura, visto que o fundo em que assentava não era de formação nem a Ribeira Quente então possuía qualquer pedreira de onde se pudesse extrair e conduzir mecanicamente, por falta de caminhos, quaisquer blocos de pedra de apropriada dimensão.
ANO DE 1900
É de um extracto do Livro de Assentos, ou do Tombo, da actual Igreja de São Paulo, que vamos encontrar o nome de um dos seus curas e servidor da Igreja, antes desta data de 1900.
"Em vinte de Março deste ano, conforme o assento de óbito n. 6, faleceu nesta freguesia, o Padre António Jacinto de Melo, natural da Povoação, que paroquiou nesta freguesia a primeira vez de 1869 a 1876 e a segunda vez de 1888 até 1900, data da sua morte".
Como vamos adiante compreender, este acontecimento ocorreu quando este sacerdote e cura do segundo templo da Ribeira Quente, que nessa altura já tinha mais de oitenta anos de idade.
E foi assim metido, numa moldura de sentimento humano, que o povo da Ribeira Quente se moldou e ficou retratado como povo que merecia mais carinho e compreensão por parte de quem o governava, visto que era um povo isolado e com um impressionante espírito de sofrimento sem revolta, que aceitava como natural este seu isolamento de sempre.
Da sede do seu novo concelho pouco podia então esperar, visto que sendo uma vila rodeada de solos ricos, o seu povo era pobre e continuou a ser pobre, porque as terras eram pouco divididas. No entanto, sempre houve uma preocupação e uma esperança da parte dos governantes do concelho, de um dia poderem ver o povoado de pescadores da Ribeira Quente ter uma estrada capaz de o ligar não só à sede do concelho como ao reto da ilha.
Esta esperança quase veio a aflorar quando o Rei D. Carlos visitou esta ilha e este concelho no ano de 1901.
Como no programa da visita régia constava uma visita ao primeiro povoado desta ilha, à Vila da Povoação, mais precisamente ao suposto porto de desembarque dos primeiros povoadores da ilha, fizeram os edis do mesmo os projectos antecipados de pedidos que se iam fazer ao rei.
Um cais e porto na sede do concelho era o mais vincado, visto que as terras da bacia da Povoação estavam na sua mais alta produção de sempre e a exportação só era possível pelo caminho do mar.
O acesso à Ribeira Quente, o único povoado do concelho sem qualquer acesso sem serem os rudimentares já apontados, era a segunda necessidade primária.
Chegada sua majestade então ao lugar da "Chã da Lomba do Cavaleiro" ficou extasiada com tão grande beleza, mas já não quis descer a ziguezagueante estrada que o levaria ao lugar do "Porto Velho", lá no fundo do litoral da pequena vila. Por isso, logo ali se determinou a um dos abismados naturais da terra que fosse buscar um saco de areia à praia do referido porto, a fim de Sua Majestade a pisar.
No regresso a Ponta Delgada, ao chegar à zona da "Ribeira dos Tambores" - onde hoje se bifurca a estrada de acesso à Ribeira Quente com a chamada estrada regional de primeira - foi simbolicamente assentada pelo Rei D. Carlos a pedra de abertura da sonhada estrada de acesso àquele povoado.
Como sempre, houveram foguetes, lágrimas de alegria e agradecimentos, mas só passados cerca de 37 anos é que o povo desta localidade soube o que
era um verdadeiro caminho de circulação livre.
POVO DA RIBEIRA QUENTE - POVO QUE SE MOLDOU
Emquanto o mar ia comendo os solos postiços das fajãs da zona do Fogo e as existentes para nascente, antes da Ponta da Albufeira, as quais iam perdendo a terra e ganhando altura em relação à primitiva praia, deixando aqui e ali descobertas algumas pontas de rocha de formação; enquanto a confuguração da enseada da Ribeira Quente se ia alterando lentamente e voltando parcialmente à sua forma original, tudo se encaminhava para que ficasse a prevalecer a moldagem da Natureza. Só as chamadas terras altas onde se situam alguns pedaços de terra e o "Outeiro das Freiras" - uma área de não muitas dezenas de alqueires de terra que não são fajãs originais, porque essas ficaram submersas devido à erupção de 1630 - no sopé desse outeiro existiam, como acima ficou dito, não só esta segunda Igreja de São Paulo, o seu cemitério e algumas moradias que iam esperando o terminus da sua existência, como também o que restava de alguns pedaços de vinha e pomares.
E foi assim que a comunidade do lugar da Ribeira Quente se foi moldando por si mesma, sem quaisquer caminhos de penetração, entregue a si mesma e sem esperança de alterar a sua lamentável situação, como se não fizesse parte do povo da ilha.
Para atingir este povoado vindo do poente, como já foi dito, só existia um perigoso e estreito atalho que partia de Ponta Garça, e de modo tal era feito que, segundo nos diz o ilustre sacerdote e escritor Bernardino José de Sena Freitas no trabalho "UMA VIAGEM AO VALE DAS FURNAS", um dia, no ano de 1679, os pescadores da Ribeira Quente se apercebendo de que os piratas argelinos tentavam desembarcar naquela localidade onde existia, como já foi dito, um forte, foram alertar o povo de Ponta Garça e Vila Franca para tal acontecimento perigoso.
Segundo o mesmo sacerdote, a "TROPA" - milícias formadas na sua maioria por escravos e gente que nem incluía o povo desta localidade - pôs-se a caminho, mas o atalho era difícil e tortuoso, por isso quando a mesma ali chegou, já da parte da tarde, nem no horizonte se já vislumbrava qualquer sinal de embarcação alguma.
Por volta de 1830, pertencendo ainda o lugar da Ribeira Quente e Furnas ao concelho de Vila Franca, o contra-almirante Francisco de Sousa Prego, então capitão-general dos Açores, mandou abrir um caminho de acesso a esta localidade, não para tirar do isolamento o pobre povo da mesma, mas sim para satisfazer, se necessário, estratégias de defesa militar.
Porque o tentou fazer sem autorização dos morgados e grandes latifundiários das propriedades envolventes, nada deixou feito para bem do povo da Ribeira Quente, nem tão pouco algo que pudesse ficar para a posteridade e história deste povo.
Feita a localidade da Povoação Velha cabeça de concelho por se ter libertado da secular prisão que foi Vila Franca, e depois temporariamente do concelho do Nordeste, passou este novo concelho a abranger também na parte norte os lugares de Achadinha e Fenais d'Ajuda, que logo depois foram desanexados; na parte centro e sul os de Água Retorta, Faial da Terra, toda a bacia do seu original povoado, toda a área das Furnas e da Ribeira Quente.
Embora lhe tivesse ficado a pertencer a maior e mais rica bacia de úberes solos de São Miguel, o seu povo continuou a ser um povo muito pobre, visto que os grandes latifundiários de todo o novo concelho geográfico eram latifundiários que não geravam riqueza local porque os seus vínculos, adquiridos por herança, eram terras alodiais.
Com tamanha riqueza à mão sem lhe poder tocar nem desta tirar qualquer rendimento que lhes permitisse dar os primeiros passos administrativos-sociais, os primeiros gestores do novo município - que inicialmente foi improvisado numa residência particular, e depois noutra, cerca de 25 anos - tiveram de recorrer a empréstimos contraídos perante alguns desses latifundiários, entre os quais se contaram Nicolau Maria Raposo de Amaral; D. Helena Victória Machado e seu neto Francisco Machado de Faria e Maia, porque logo no início uma das grandes necessidades era entrar em contacto com os povoados da sua jurisdição. É que, também a localidade da Povoação Velha sempre foi um lugar isolado.
Os então habitantes da Ribeira Quente, embora melhorassem na distância a sua situação de dependência, visto que o seu agora novo concelho, por mar, lhes ficasse apenas a cerca de 3 quilometros em linha recta, nem por isso viram alterada a sua situação de isolados, porque continuaram a ter a poente os atalhos já mencionados e, para nascente, o mesmo carreiro de pé-posto que, depois de atravessada a vau a ribeira, lhes permitia subir para a perigosa falésia (ainda hoje a mesma), que se estendia até à Ribeira do Agrião, depois de passada a Ponta do Garajau.
Subiam, depois de passada essa ribeira, o ingreme atalho que chamavam de "Caminho do Cabouco" até atingirem a zona da "Chã do Cavaleiro", para depois caminharem temporariamente à beira da rocha já na descida para a sede do seu agora novo concelho, mas sempre por um estreito atalho chamado de "Caminho das Covas" que os levavam à margem da "Ribeira dos Pelames", que era novamente atravessada a vau. Depois subiam para o "Caminho Velho" que os levava ao Porto Velho da agora nova Vila, sua cabeça de concelho.
Portanto, desde 1839, então tornada parte integrante do Concelho de Povoação, a Ribeira Quente continuou a ser a mesma localidade socialmente isolada.
Feito o primeiro acesso da sede do novo concelho para poente, a freguesia das Furnas era uma localidade de mais valia que devia estar em permanente contacto com a Povoação, não pelo rendimento do seu solo, porque além de frutos pouco mais produzia, mas sim porque, histórica e habitualmente era ali que os grandes da terra iam veranear.
Foi por essa razão, feito o grande empreendimento que foi a construção da denominada "Ponte da Lomba do Cavaleiro", logo ali acima da praça do município, a apenas cerca de 300 metros, a qual empoleiraram sobre o fundo rochoso da foz da atrás mencionada "Ribeira dos Pelames", cujas rochas laterais lhe serviam de contraforte, a qual se mantém sem qualquer outro travamento ou reforço, desde então, até ao presente, e é considerada uma das mais altas pontes de parede crua desta ilha.
A partir desta ponte, seguindo curvas de nível de sujeição, foi aberto um caminho-estrada de não grande largura, para gente, carroças e animais, a qual depois foi corrigida e mais alargada com a entrada do primeiro Governo Autónomo dos Açores.
Foi a partir de uma das mais apertadas curvas dessa primitiva estrada, a "Curva do Redondo", assim denominada por essa razão, que o município da Povoação, aproveitando parte da vertente poente da cumieira que divide o Vale do Agrião e o da Ribeira Quente, por meios rudimentares, alargou uma vereda de pé-posto que passou a servir o povo desta localidade.
Embora de pouca largura este caminho passou a chamar-se de "Caminho do Redondo". Foi este o primeiro caminho feito propositadamente para servir o povo da Ribeira Quente, o qual junto da foz da ribeira possuía uma tosca ponte de madeira cujas extremidades assentavam sobre dois socalcos de pedra, a fim de lhe permitir safar das cheias. Esta, há não muitas décadas, ainda ali existia.
Como já foi referido, a 24 de Setembro de 1831 foi concedido pelo Governo Eclesiástico da Diocese dos Açores a autorização para ser construído um Sacrário no segundo templo erecto no lugar da Ribeira Quente, porque embora fosse nessa altura já uma Igreja com cerca de 34 anos, ainda alguns sacramentos recebidos pelo povo desta localidade eram sacramentos emprestados.
Para concretização, desta grandiosa necessidade e sonho que o povo tinha, e porque o mesmo sem ajuda não o podia concretizar, apareceu um casal, benemérito, como atrás se lê, que chamou a si toda a despesa da construção do Sacrário que foi construido, mas pouco de concreto se sabe acerca da sua entronização, como se desconhece, por razões obvias, quem foram os primeiros Curas que ali prestaram o seu múnus sacerdotal.
Como atrás se disse, 8 anos depois desse acontecimento, a localidade da Ribeira Quente passou a ser parte integrante do novo concelho de Povoação, sem contudo deixar a sua Igreja de ser sufragânea à paroquial de Ponta Garça, para depois, entre 1896 e 1898, conforme nos diz o Dr. Ernesto do Canto em "PRETO NO BRANCO" (I 84), ser esta Igreja sufragânea a Sant'Ana, das Furnas!
Como e por quê?
Porque embora a Vila da Povoação já fosse Vila e comarca desde há muito, devido a anomalias e teimas, só a partir de 1916 foi criada a Ouvidoria Eclesiástica do Concelho de Povoação, sendo para tal nomeado o Padre Ernesto Jacinto raposo, um dos mais ilustres filhos da Povoação Velha, que na altura era o pastor da Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe de Deus. Então, a partir dessa data, porque a Ribeira Quente ainda não era freguesia, os filhos desta paróquia autónoma passaram a pertencer a esta matriz referida, e São Paulo, Igreja sufragânea da antiga paroquial povoacense.
SEGUNDA ERMIDA DE SÃO PAULO
Desde há muito o povo do lugar da Ribeira Quente sentia a necessidade imediata de construir uma nova ermida visto que o velho templo, além de ser insuficiente, se ia arruinando cada vez mais devido à sua proximidade do mar que o ia minando dia-a-dia.
Embora se não saiba quem foi o incentivador ou empreendedor de uma nova ermida naquele lugar, que ainda continuava a ser de veraneio, o Dr. Urbano de Mendonça Dias diz-nos no seu trabalho sobre os templos em São Miguel que:
"O povo então da Ribeira Quente, os que lá moravam e os que para lá iam veranear, com outras esmolas que tiraram por toda a ilha, levantaram, por isso, outra Ermida, com a mesma invocação".
Decorridos alguns anos, a 15 de Abril de 1799, o Licenciado João Bento Pacheco d'Arruda, possivelmente mandado por D. João Marcelino dos Santos Aparício, 22.º Bispo dos Açores, fala-nos da Igreja da Ribeira Quente, dizendo:
"Visitei a Ermida de Sam Paulo da Ribeira Quente, Curato sufragâneo desta Paroquial, e achei a Igreja feita de novo, com grandeza e segurança e boa proporção".
Nessa data já havia sido ercta a segunda Ermida de São Paulo, provavelmente entre 1796/1798.
Como se pode depreender das palavras deste visitador, este novo templo já era uma igreja apropriada para a população de então.
Era um templo com uma torre de quatro sinos, um dos quais retirado atempadamente da primitiva ermida, e mais 3 que foram oferecidos por um médico (phisico), de Vila Franca, de nome Joze Matheus Nogueira e sua esposa D. Maria Jacinta, proprietários naquele lugar.
Este parece ter sido um dos maiores e mais compreensíveis beneméritos da pobre e isolada gente da Ribeira Quente, o qual, condoído com a situação daquele povo, porque embora já fossem passados cerca de 160 anos desde que foi erguido o primeiro templo, e 32 depois deste segundo, nunca, até então, havia esta gente tido uma Igreja com Sacrário.
Para que este segundo templo fosse entronizado, foi este benemérito que concorreu com todas as despesas necessárias para a criação de um Sacrário e a sustentação de uma lâmpada para o Santíssimo. Para tal o mesmo fez uma doação de 250$000 réis.
Porque não dependia apenas dos fundos necessários a construção desse Sacrário, mas sim também da razão do porquê da sua construção, então este médico benemérito nomeou seu procurador, para esse fim, em Angra, o Desembargador João José da Costa Ferraz, o qual no seu requerimento de justificação disse:
"Faço saber que tendo representado Joze Matheus Nogueira e sua mulher D. Maria Jacinta, de Vila Franca do Campo, da Ilha de S. Miguel, que eles residindo parte do ano no lugar da Ribeira Quente, e vendo o quanto aqueles povos sofrem na administração do Divino Sacramento da Eucaristia, por distar aquele lugar, da Paróquia, mais de duas léguas de péssimo caminho, por isso eles requerentes se ofereciam a fazer na Ermida de Sam Paulo, sita na Ribeira Quente, um Sacrário, e darem a Poma, Lâmpada, e doarem ao Santíssimo Sacramento 250$ooo réis", etc.
Esta concessão foi feita a 24 de Setembro de 1831, ficando o povo da Ribeira Quente liberto do pesadelo de ter uma Igreja onde só se podia efectuar simples actos religiosos.
Segundo o autor da "História das Igrejas Micaelenses" já citado, a páginas 105 desse livro, e bebido da tradição, o mesmo fala-nos de um acontecimento ocorrido no lugar da Ribeira Quente, nestes termos:
"... e consta-se que um dia caiu de cama um homem, na Ribeira Quente, o Padre Cura foi chamado, confessou-o e ficou capacitado que ele não escaparia, e disse em casa à família do doente:
- Não escapa, e eu desejaria ungi-lo!
Mas os Santos óleos estavam em Ponta Garça, a 2 léguas de distância, de maus caminhos, e por isso um filho do doente prontificou-se:
- Passe o Snr. Padre um bilhetinho, e eu vou num pulo lá, e trago os Santos óleos dentro do saquinho, como é costume.
Parece que isso se fazia, o Pe. Cura passou o bilhetinho e o rapaz pôs-se a caminho, mas, quando vinha já de volta com os Santos óleos dentro do saquinho, veio-lhe ao encontro um vizinho:
- Tem paciência, já não são precisos os Santos óleos, teu pai deu a alma ao Criador!
O rapaz ficou impressionadíssimo, caiu numa ira tamanha, que até atirou o saquinho pela rocha abaixo".
Pormenores como este, que provavelmente foram muitos, quase idênticos ou não, denotam com que sacrifício se mantinham fiéis a Deus aqueles cristãos isolados!
É que nunca houve da parte do governo de Vila Franca qualquer sinal de boa vontade que tirasse do isolamento aquela localidade. Também a Povoação Velha, igualmente dependente administrativamente de Vila Franca, reclamava permanentemente acesso a esta vila, visto que nunca o teve desde que passou a ser parte integrante do poder administrativo de Vila Franca - desde tempos primitivos - só o conseguindo através de uma acção jurídica. Ainda assim aquilo que foi feito, foi um rudimentar atalho chamado de "Caminho da Gaiteira" do qual foi ramificado um modestíssimo atalho para a falésia da Zona do Fogo.
Ainda hoje se nota, na zona dos "Covões", sinais desse trabalho-miséria que as entidades governativas de Vila Franca conceberam, mas isto sem grande benefício para a enseada da Ribeira Quente.
Voltando à reocupação das novas terras que se haviam estendido sobre aquele espaço - que sempre foi de veraneio e de fajãs mas se transformou num lugar misto com o aparecimento ali de uma comunidade piscatória - os então novos proprietários da após erupção de 1630, abismados com os extensos terrenos que haviam sido criados pela imensa força da Natureza, por desconhecimento de solos e falta de aviso de qualquer ecólogo, numa altura em que a maioria do povo, porque era analfabeta, só conhecia aquilo que via, lançaram-se os mesmos ao cultivo daquelas férteis terras obtidas, sobre as quais foram construindo algumas habitações na mesma zona onde já haviam construído o primeiro templo de São Paulo. Foi nesta mesma localidade e zona que foi construida esta segunda Igreja da Ribeira Quente, sobre os mesmos terrenos falsos. Isto mostra-nos que existia uma grande separação entre quem devia ser um pouco responsável e os ignorantes irresponsáveis, mas bem intencionados, que construiram este segundo templo.
Quando do acto de visitação feita pelo atrás mencionado João Bento Pacheco d'Arruda, este licenciado apenas se limitou a dizer, além daquilo que já foi mencionado:
"...faz-se porem preciso que a Igreja antiga, que fica um pouco separada e de que se conservam ainda as paredes, ou se fechem estas de modo, ponde-se uma Cruz no meio do plano para a conservação do respeito daquele lugar, ou ex-causa, se possam demolir, fazendo-se então profanção real, cavando-se a terra, e conduzindo-se os ossos dos cadáveres que ali foram sepultados, a serem enterrados no adro da nova Igreja, com as cerimónias e preces competentes".
Não houve transladação para o novo adro porque foi feito um cemitério adjacente à nova Igreja (o 1.º na localidade), que mais tarde também foi varrido pelo mar.
Como é fácil de notar, os mortos da Ribeira Quente nunca foram sepultados em Ponta Garça!
Este segundo templo de São Paulo situava-se, como o primeiro, ao fundo da então "Canada da Igreja Velha".
Subscrever:
Mensagens (Atom)