terça-feira, 26 de agosto de 2008

SEGUNDA ERMIDA DE SÃO PAULO


Desde há muito o povo do lugar da Ribeira Quente sentia a necessidade imediata de construir uma nova ermida visto que o velho templo, além de ser insuficiente, se ia arruinando cada vez mais devido à sua proximidade do mar que o ia minando dia-a-dia.

Embora se não saiba quem foi o incentivador ou empreendedor de uma nova ermida naquele lugar, que ainda continuava a ser de veraneio, o Dr. Urbano de Mendonça Dias diz-nos no seu trabalho sobre os templos em São Miguel que:

"O povo então da Ribeira Quente, os que lá moravam e os que para lá iam veranear, com outras esmolas que tiraram por toda a ilha, levantaram, por isso, outra Ermida, com a mesma invocação".

Decorridos alguns anos, a 15 de Abril de 1799, o Licenciado João Bento Pacheco d'Arruda, possivelmente mandado por D. João Marcelino dos Santos Aparício, 22.º Bispo dos Açores, fala-nos da Igreja da Ribeira Quente, dizendo:

"Visitei a Ermida de Sam Paulo da Ribeira Quente, Curato sufragâneo desta Paroquial, e achei a Igreja feita de novo, com grandeza e segurança e boa proporção".

Nessa data já havia sido ercta a segunda Ermida de São Paulo, provavelmente entre 1796/1798.

Como se pode depreender das palavras deste visitador, este novo templo já era uma igreja apropriada para a população de então.

Era um templo com uma torre de quatro sinos, um dos quais retirado atempadamente da primitiva ermida, e mais 3 que foram oferecidos por um médico (phisico), de Vila Franca, de nome Joze Matheus Nogueira e sua esposa D. Maria Jacinta, proprietários naquele lugar.

Este parece ter sido um dos maiores e mais compreensíveis beneméritos da pobre e isolada gente da Ribeira Quente, o qual, condoído com a situação daquele povo, porque embora já fossem passados cerca de 160 anos desde que foi erguido o primeiro templo, e 32 depois deste segundo, nunca, até então, havia esta gente tido uma Igreja com Sacrário.

Para que este segundo templo fosse entronizado, foi este benemérito que concorreu com todas as despesas necessárias para a criação de um Sacrário e a sustentação de uma lâmpada para o Santíssimo. Para tal o mesmo fez uma doação de 250$000 réis.

Porque não dependia apenas dos fundos necessários a construção desse Sacrário, mas sim também da razão do porquê da sua construção, então este médico benemérito nomeou seu procurador, para esse fim, em Angra, o Desembargador João José da Costa Ferraz, o qual no seu requerimento de justificação disse:

"Faço saber que tendo representado Joze Matheus Nogueira e sua mulher D. Maria Jacinta, de Vila Franca do Campo, da Ilha de S. Miguel, que eles residindo parte do ano no lugar da Ribeira Quente, e vendo o quanto aqueles povos sofrem na administração do Divino Sacramento da Eucaristia, por distar aquele lugar, da Paróquia, mais de duas léguas de péssimo caminho, por isso eles requerentes se ofereciam a fazer na Ermida de Sam Paulo, sita na Ribeira Quente, um Sacrário, e darem a Poma, Lâmpada, e doarem ao Santíssimo Sacramento 250$ooo réis", etc.

Esta concessão foi feita a 24 de Setembro de 1831, ficando o povo da Ribeira Quente liberto do pesadelo de ter uma Igreja onde só se podia efectuar simples actos religiosos.

Segundo o autor da "História das Igrejas Micaelenses" já citado, a páginas 105 desse livro, e bebido da tradição, o mesmo fala-nos de um acontecimento ocorrido no lugar da Ribeira Quente, nestes termos:

"... e consta-se que um dia caiu de cama um homem, na Ribeira Quente, o Padre Cura foi chamado, confessou-o e ficou capacitado que ele não escaparia, e disse em casa à família do doente:

- Não escapa, e eu desejaria ungi-lo!

Mas os Santos óleos estavam em Ponta Garça, a 2 léguas de distância, de maus caminhos, e por isso um filho do doente prontificou-se:

- Passe o Snr. Padre um bilhetinho, e eu vou num pulo lá, e trago os Santos óleos dentro do saquinho, como é costume.

Parece que isso se fazia, o Pe. Cura passou o bilhetinho e o rapaz pôs-se a caminho, mas, quando vinha já de volta com os Santos óleos dentro do saquinho, veio-lhe ao encontro um vizinho:

- Tem paciência, já não são precisos os Santos óleos, teu pai deu a alma ao Criador!

O rapaz ficou impressionadíssimo, caiu numa ira tamanha, que até atirou o saquinho pela rocha abaixo".

Pormenores como este, que provavelmente foram muitos, quase idênticos ou não, denotam com que sacrifício se mantinham fiéis a Deus aqueles cristãos isolados!

É que nunca houve da parte do governo de Vila Franca qualquer sinal de boa vontade que tirasse do isolamento aquela localidade. Também a Povoação Velha, igualmente dependente administrativamente de Vila Franca, reclamava permanentemente acesso a esta vila, visto que nunca o teve desde que passou a ser parte integrante do poder administrativo de Vila Franca - desde tempos primitivos - só o conseguindo através de uma acção jurídica. Ainda assim aquilo que foi feito, foi um rudimentar atalho chamado de "Caminho da Gaiteira" do qual foi ramificado um modestíssimo atalho para a falésia da Zona do Fogo.

Ainda hoje se nota, na zona dos "Covões", sinais desse trabalho-miséria que as entidades governativas de Vila Franca conceberam, mas isto sem grande benefício para a enseada da Ribeira Quente.

Voltando à reocupação das novas terras que se haviam estendido sobre aquele espaço - que sempre foi de veraneio e de fajãs mas se transformou num lugar misto com o aparecimento ali de uma comunidade piscatória - os então novos proprietários da após erupção de 1630, abismados com os extensos terrenos que haviam sido criados pela imensa força da Natureza, por desconhecimento de solos e falta de aviso de qualquer ecólogo, numa altura em que a maioria do povo, porque era analfabeta, só conhecia aquilo que via, lançaram-se os mesmos ao cultivo daquelas férteis terras obtidas, sobre as quais foram construindo algumas habitações na mesma zona onde já haviam construído o primeiro templo de São Paulo. Foi nesta mesma localidade e zona que foi construida esta segunda Igreja da Ribeira Quente, sobre os mesmos terrenos falsos. Isto mostra-nos que existia uma grande separação entre quem devia ser um pouco responsável e os ignorantes irresponsáveis, mas bem intencionados, que construiram este segundo templo.

Quando do acto de visitação feita pelo atrás mencionado João Bento Pacheco d'Arruda, este licenciado apenas se limitou a dizer, além daquilo que já foi mencionado:

"...faz-se porem preciso que a Igreja antiga, que fica um pouco separada e de que se conservam ainda as paredes, ou se fechem estas de modo, ponde-se uma Cruz no meio do plano para a conservação do respeito daquele lugar, ou ex-causa, se possam demolir, fazendo-se então profanção real, cavando-se a terra, e conduzindo-se os ossos dos cadáveres que ali foram sepultados, a serem enterrados no adro da nova Igreja, com as cerimónias e preces competentes".

Não houve transladação para o novo adro porque foi feito um cemitério adjacente à nova Igreja (o 1.º na localidade), que mais tarde também foi varrido pelo mar.

Como é fácil de notar, os mortos da Ribeira Quente nunca foram sepultados em Ponta Garça!

Este segundo templo de São Paulo situava-se, como o primeiro, ao fundo da então "Canada da Igreja Velha".

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