sexta-feira, 22 de agosto de 2008

PONTA DO FOGO


Assim denominada pelo povo após a grande erupção porque matérias telúricas vivas ali produziram efeitos muito espectaculares que ficaram vincadamente retratados; PONTA DA ALBUFEIRA: - Seu nome próprio na indicação geográfica, porque os corrimentos de terra e rochas descidas do alto entraram nas águas do mar e as fecharam, dando-lhe um aspecto de albufeira conforme nos diz o Licenciado João Gonçalves Homem (1), na sua narrativa do acontecimento:


"Em 4 do dito mês se desfez parte dela (matéria vulcânica), juntamente com uma serra e monte, que se chama Rosto Branco que era mui alto e estava à beira mar, levou ao mar esta rebentação de fogo, vinhas e terras entupindo com elas e pedra pomes e alagando, o mar, e fazendo nele repucho tal, que por onde barcos e navios passavam à vela, agora se passeia toda a gente a pé".


Este referido Rosto Branco - já citado por Gaspar Fructuoso cerca de setenta anos antes no seu trabalho toponímico acerca da Ribeira Quente - é o mesmo fundo rochoso que hoje se vê entre a Praia do Fogo e a Ponta da Lobeira, que era muito mais alto como nos diz o já mencionado João Gonçalves Homem.

As terras corridas do Pico das Tesouras em conjunto com os materiais piroclastos (pedre pomes), cobriram as primitivas fajãs "que davam vinho e pão", estenderam-se profundamente sobre o mar, soterrando a alongada praia que ia da Ribeira ao Fogo, formando naquele espaço terras que se tornaram muito vegetativas por isso cedo foram tomadas.

Ali nasceram sobre as mesmas terras novas fajãs "onde com não pequeno gosto" continuaram alguns dos anteriores proprietários, seus herdeiros ou outros "principais da terra", a usufruir os mesmos privilégios que já usufruíam antes os seus maiores.

Embora o Padre Doutor Gaspar Fructuoso no seu trabalho toponímico não faça qualquer referência acerca da existencia de quaisquer possíveis habitações, mesmo que muito rudimentares, no lugar da Ribeira Quente, o certo é que, quando o mesmo diz que era um lugar "ONDE COM NÃO PEQUENO GOSTO E GRANDE PASSATEMPO, FAZEM OS PRINCIPAIS DA TERRA E ALGUNS SACERDOTES E ALGUNS RELIGIOSOS (seculares e regulares), E ALGUNS ESTRANGEIROS, NO VERÃO, GRANDES PESCARIAS", está a transmitir uma clara ideia de que aquele recôndito lugar de sossego, com suas águas, sua praia e fajãs, era um primitivo lugar de veraneio, por isso tem lógica a afirmação de que quando ocorreu a grande tragédia no ano de 1630 que arrasou todo aquele lugar, ali ficaram soterrados alguns veraneantes e trabalhadores ilotas, estes nunca mencionados por não constarem nos registos paroquiais, mas os primeiros sim, visto que no total de mortos de Ponta Garça (os 115), não houveram nomes mas sim quantidades.


(1) - João Gonçalves Homem foi um dos que narraram o grande acontecimento ocorrido na zona da Lagoa Seca no ano de 1630, e suas repercussões. O seu trabalho está escrito no Volume II do Arquivo dos Açores.

ERUPÇÃO VULCÂNICA DE 1630


Segundo o Volume II do Arquivo dos Açores, foram em número de dez narrativas escritas que descreveram o fenomenal acontecimento eruptivo ocorrido nas imediações do hoje chamado Vale das Furnas, no ano acima mencionado.

Embora nesses escritos existam alguns desencontros quanto ao dia da semana e hora em que tiveram início os primeiros abalos de terra que antecederam a grande erupção sísmica que viria a ser a mais violenta e mais espectacular de todas as crises sísmico-eruptíveis dos Açores, a maioria das narrativas dizem que foi por volta das oito horas e meia da noite do dia 2 de Setembro de 1630, que os referidos abalos começaram e que, à maneira que iam crescendo de intensidade também cresciam em frequência, até que, cerca das duas horas e meia do dia seguinte, 3 do mesmo mês, se deu uma tremenda explosão no lugar de uma cratera que havia sido lagoa, denominada historicamente de Lagoa Seca das Furnas, a qual explosão fez sumir as águas de uma outra lagoa que lhe ficava quase adjacente, as da Lagoa Rasa, que tinha uma profundidade aproximada de 55 metros por dois quilómetros de largura.

Já feita depois uma só boca que incluia a área das duas lagoas, o fenómeno manteve-se permanentemente activo por alguns dias, espalhando a morte, o terror, o sofrimento e a dor.

Francisco Affonso Chaves, mais tarde, viria a chamar o mesmo de acontecimento explosivo.

O Vale das Furnas - segundo os mesmos testemunhos - que era muito acidentado com profundas grotas e muitas elevações, ficou com o aspecto de uma chã aplanada, sob a qual ficarram soterrados alguns pastores nómadas e muito gado, já que ao tempo só ali existiam, a fazer vida sedentária os religiosos de uma Ordem Seráfica, os quais, desavindos, se puseram em fuga para o lado norte da ilha, deixando o eremitério sob um manto de cinzas e pedra pomes.

Alguns dos trabalhos históricos que narram a medonha erupção de 1630, são muito elucidativos porque muito narrativos em matéria de pormenores que espelham com muita clareza a razão do porquê da salvação dos frades do eremitério do Vale:


"E foi N. Senhor servido que aquelle monte assim arrancado do seu lugar para que não sepultasse (aos eremitas), debaixo de si, cahisse pra a parte do mar aonde sepultou a outros que ali se encontravam".


Depois em outra passagem:


"Ponta Garça, lugar seu vizinho, tendo 100 fogos se vio sem elles por cahirem uns e ficarem outros debaixo da cinza de mais de 30 palmos. Deste lugar morreram em diluvio de fogo 115 pessoas".


Mais tarde, Frei Agostinho de Monte Alverne, o nosso segundo historiador açoriano, autor das "Cronicas da Província de São João Evangelista das Ilhas dos Açores", também muito metódico no pormenor, no Capítulo Décimo do Volume II do seu livro, nos diz, sobre o mesmo acontecimento:


"Nos lugares da Povoação e Ponta Garça não ficou casa em pé, e na Povoação a terra noventa braças entrou pelo mar."


"Três dias inteiros choveu cinza em tanta quantidade, que em muitas partes de trinta palmos ficou a altura".


"Vindo um barco da Ilha de Santa Maria, embaraçado nela, (pedra pomes) não podendo passar, por onde foi necessário os passageiros deixarem o barco a mais de meia légua (mais de dois quilometros e meio) de mar, e virem para terra por cima dela".


Esta surpreendente extensão de pedra pomes lançada sobre o mar, no lado sul, embora nos pareça exagerada, é mencionada por outros narradores fidedignos.

Portanto, tendo o lugar da Povoação Velha e Ponta Garça, sido, segundo os historiadores, as duas zonas mais atingidas pelas matérias projectadas, é lógico acreditar que o lugar da Ribeira Quente, que lhes ficava de permeio, tivesse sido o mais atingido.

As grandes transformações que ficaram vincadamente retratadas, quer na zona da Praia do Fogo ou Praia da Albufeira quer dali à zona da Ribeira, são viva evidência deste acontecimento passado.

O LUGAR DA RIBEIRA QUENTE


Fazendo parte integrante do Concelho de Povoação desde 1839, e metida na mesma baía de mar que vai da Ponta da Fajã do Cura ou do Faial à Ponta da Lobeira, a hoje freguesia da Ribeira Quente, com uma pequena área administrativa de apenas 9.88 quilómetros quadrados, cedo entrou indirectamente nas páginas da nossa história.

Poucas vezes mencionado pelos nossos primitivos cronistas por ser totalmente isolado devido à sua costa acidentada e por isso quase descontinuada, o lugar da Ribeira Quente logo ganhou a fama de ser um lugar paradisíaco lugar de veraneio com uma recôndita e alongada praia.

O Padre Doutor Gaspar Fructuoso, pai primeiro de toda a nossa História Açoriana, ao descrever no VolumeII do seu Livro Quarto das "Saudades da Terra sobre este lugar, diz-nos:


"Passada a Ponta do Garajau, (Vindo da Povoação), dela até à Ponta de Simão Figueira em uma baixa de um tiro de berço, que se faz antre seu penedo e antre outra ponta chamada Rosto Branco, por ser a mesma ponta de terra branca, onde estão as fajãs que terão cinco moios de terra, que tem vinha e dão pão e pastel, está a Ribeira Quente, de muito boa e copiosa água, por caus que se ajuntam nela as três ribeira das Furnas, sic a Quente e a outra que corre pela fábrica de pedra hume, que se chama Ribeira Que Ferve, e outra chamada Ribeira Fria e alguns regatos pequenos, deles, das mesmas Furnas, e outros de outras partes; na qual ribeira muito pescado, onde com não pequeno gosto e grande passatempo, fazem os principais da terra e alguns sacerdotes e religiosos e alguns nobres estrangeiros, no Verão, grandes e ricas pescarias".


Descrevendo depois a mesma ribeira no Capítulo XLIX do mesmo volume, diz:


"Por esta Ribeira Quente abaixo, meia légua das Furnas, no Cabo do Lombo Frio (que é uma lomba em que a rocha dele, se chama a Felpelhuda, por ter muito musgo e erva), saem desta rocha três tornos de água, perto um do outro, com quantidade de dois côvados antre cada um; o torno do meio é quente, os outros frios.

dali para baixo é a Ribeira Quente tão chã até ao mar, espaço de outra meia légua que vem as tainhas por ela acima até ao Lombo Frio"


"Tão chã até ao mar, espaço de outra meia légua", (2,5 quilometros de extensão), é uma afirmação de que o curso da ribeira, desde a sua foz à zona aproximada dos túneis, era uma rica área de pesca.

Embora a nascente do curso de água quente partisse de dois olhos de àguas turvas e sulfúreas nas imediações de uma Ermida de Nossa Senhora da Consolação do Vale das Furnas, onde está erguida a Igreja de Sant'Ana daquele vale, é a partir da junção das ribeiras acima mensionadas por Gaspar Fructuoso, que nasce o nome de RIBEIRA QUENTE".

A sua configuração física veio ao longo dos séculos a ser vária vezes alterada devido às naturais enxurradas, uma delas ocorrida a 7 de Outubro de 1588.