terça-feira, 26 de agosto de 2008

POVO DA RIBEIRA QUENTE - POVO QUE SE MOLDOU



Emquanto o mar ia comendo os solos postiços das fajãs da zona do Fogo e as existentes para nascente, antes da Ponta da Albufeira, as quais iam perdendo a terra e ganhando altura em relação à primitiva praia, deixando aqui e ali descobertas algumas pontas de rocha de formação; enquanto a confuguração da enseada da Ribeira Quente se ia alterando lentamente e voltando parcialmente à sua forma original, tudo se encaminhava para que ficasse a prevalecer a moldagem da Natureza. Só as chamadas terras altas onde se situam alguns pedaços de terra e o "Outeiro das Freiras" - uma área de não muitas dezenas de alqueires de terra que não são fajãs originais, porque essas ficaram submersas devido à erupção de 1630 - no sopé desse outeiro existiam, como acima ficou dito, não só esta segunda Igreja de São Paulo, o seu cemitério e algumas moradias que iam esperando o terminus da sua existência, como também o que restava de alguns pedaços de vinha e pomares.

E foi assim que a comunidade do lugar da Ribeira Quente se foi moldando por si mesma, sem quaisquer caminhos de penetração, entregue a si mesma e sem esperança de alterar a sua lamentável situação, como se não fizesse parte do povo da ilha.

Para atingir este povoado vindo do poente, como já foi dito, só existia um perigoso e estreito atalho que partia de Ponta Garça, e de modo tal era feito que, segundo nos diz o ilustre sacerdote e escritor Bernardino José de Sena Freitas no trabalho "UMA VIAGEM AO VALE DAS FURNAS", um dia, no ano de 1679, os pescadores da Ribeira Quente se apercebendo de que os piratas argelinos tentavam desembarcar naquela localidade onde existia, como já foi dito, um forte, foram alertar o povo de Ponta Garça e Vila Franca para tal acontecimento perigoso.

Segundo o mesmo sacerdote, a "TROPA" - milícias formadas na sua maioria por escravos e gente que nem incluía o povo desta localidade - pôs-se a caminho, mas o atalho era difícil e tortuoso, por isso quando a mesma ali chegou, já da parte da tarde, nem no horizonte se já vislumbrava qualquer sinal de embarcação alguma.

Por volta de 1830, pertencendo ainda o lugar da Ribeira Quente e Furnas ao concelho de Vila Franca, o contra-almirante Francisco de Sousa Prego, então capitão-general dos Açores, mandou abrir um caminho de acesso a esta localidade, não para tirar do isolamento o pobre povo da mesma, mas sim para satisfazer, se necessário, estratégias de defesa militar.

Porque o tentou fazer sem autorização dos morgados e grandes latifundiários das propriedades envolventes, nada deixou feito para bem do povo da Ribeira Quente, nem tão pouco algo que pudesse ficar para a posteridade e história deste povo.

Feita a localidade da Povoação Velha cabeça de concelho por se ter libertado da secular prisão que foi Vila Franca, e depois temporariamente do concelho do Nordeste, passou este novo concelho a abranger também na parte norte os lugares de Achadinha e Fenais d'Ajuda, que logo depois foram desanexados; na parte centro e sul os de Água Retorta, Faial da Terra, toda a bacia do seu original povoado, toda a área das Furnas e da Ribeira Quente.

Embora lhe tivesse ficado a pertencer a maior e mais rica bacia de úberes solos de São Miguel, o seu povo continuou a ser um povo muito pobre, visto que os grandes latifundiários de todo o novo concelho geográfico eram latifundiários que não geravam riqueza local porque os seus vínculos, adquiridos por herança, eram terras alodiais.

Com tamanha riqueza à mão sem lhe poder tocar nem desta tirar qualquer rendimento que lhes permitisse dar os primeiros passos administrativos-sociais, os primeiros gestores do novo município - que inicialmente foi improvisado numa residência particular, e depois noutra, cerca de 25 anos - tiveram de recorrer a empréstimos contraídos perante alguns desses latifundiários, entre os quais se contaram Nicolau Maria Raposo de Amaral; D. Helena Victória Machado e seu neto Francisco Machado de Faria e Maia, porque logo no início uma das grandes necessidades era entrar em contacto com os povoados da sua jurisdição. É que, também a localidade da Povoação Velha sempre foi um lugar isolado.

Os então habitantes da Ribeira Quente, embora melhorassem na distância a sua situação de dependência, visto que o seu agora novo concelho, por mar, lhes ficasse apenas a cerca de 3 quilometros em linha recta, nem por isso viram alterada a sua situação de isolados, porque continuaram a ter a poente os atalhos já mencionados e, para nascente, o mesmo carreiro de pé-posto que, depois de atravessada a vau a ribeira, lhes permitia subir para a perigosa falésia (ainda hoje a mesma), que se estendia até à Ribeira do Agrião, depois de passada a Ponta do Garajau.

Subiam, depois de passada essa ribeira, o ingreme atalho que chamavam de "Caminho do Cabouco" até atingirem a zona da "Chã do Cavaleiro", para depois caminharem temporariamente à beira da rocha já na descida para a sede do seu agora novo concelho, mas sempre por um estreito atalho chamado de "Caminho das Covas" que os levavam à margem da "Ribeira dos Pelames", que era novamente atravessada a vau. Depois subiam para o "Caminho Velho" que os levava ao Porto Velho da agora nova Vila, sua cabeça de concelho.

Portanto, desde 1839, então tornada parte integrante do Concelho de Povoação, a Ribeira Quente continuou a ser a mesma localidade socialmente isolada.

Feito o primeiro acesso da sede do novo concelho para poente, a freguesia das Furnas era uma localidade de mais valia que devia estar em permanente contacto com a Povoação, não pelo rendimento do seu solo, porque além de frutos pouco mais produzia, mas sim porque, histórica e habitualmente era ali que os grandes da terra iam veranear.

Foi por essa razão, feito o grande empreendimento que foi a construção da denominada "Ponte da Lomba do Cavaleiro", logo ali acima da praça do município, a apenas cerca de 300 metros, a qual empoleiraram sobre o fundo rochoso da foz da atrás mencionada "Ribeira dos Pelames", cujas rochas laterais lhe serviam de contraforte, a qual se mantém sem qualquer outro travamento ou reforço, desde então, até ao presente, e é considerada uma das mais altas pontes de parede crua desta ilha.

A partir desta ponte, seguindo curvas de nível de sujeição, foi aberto um caminho-estrada de não grande largura, para gente, carroças e animais, a qual depois foi corrigida e mais alargada com a entrada do primeiro Governo Autónomo dos Açores.

Foi a partir de uma das mais apertadas curvas dessa primitiva estrada, a "Curva do Redondo", assim denominada por essa razão, que o município da Povoação, aproveitando parte da vertente poente da cumieira que divide o Vale do Agrião e o da Ribeira Quente, por meios rudimentares, alargou uma vereda de pé-posto que passou a servir o povo desta localidade.

Embora de pouca largura este caminho passou a chamar-se de "Caminho do Redondo". Foi este o primeiro caminho feito propositadamente para servir o povo da Ribeira Quente, o qual junto da foz da ribeira possuía uma tosca ponte de madeira cujas extremidades assentavam sobre dois socalcos de pedra, a fim de lhe permitir safar das cheias. Esta, há não muitas décadas, ainda ali existia.

Como já foi referido, a 24 de Setembro de 1831 foi concedido pelo Governo Eclesiástico da Diocese dos Açores a autorização para ser construído um Sacrário no segundo templo erecto no lugar da Ribeira Quente, porque embora fosse nessa altura já uma Igreja com cerca de 34 anos, ainda alguns sacramentos recebidos pelo povo desta localidade eram sacramentos emprestados.

Para concretização, desta grandiosa necessidade e sonho que o povo tinha, e porque o mesmo sem ajuda não o podia concretizar, apareceu um casal, benemérito, como atrás se lê, que chamou a si toda a despesa da construção do Sacrário que foi construido, mas pouco de concreto se sabe acerca da sua entronização, como se desconhece, por razões obvias, quem foram os primeiros Curas que ali prestaram o seu múnus sacerdotal.

Como atrás se disse, 8 anos depois desse acontecimento, a localidade da Ribeira Quente passou a ser parte integrante do novo concelho de Povoação, sem contudo deixar a sua Igreja de ser sufragânea à paroquial de Ponta Garça, para depois, entre 1896 e 1898, conforme nos diz o Dr. Ernesto do Canto em "PRETO NO BRANCO" (I 84), ser esta Igreja sufragânea a Sant'Ana, das Furnas!

Como e por quê?

Porque embora a Vila da Povoação já fosse Vila e comarca desde há muito, devido a anomalias e teimas, só a partir de 1916 foi criada a Ouvidoria Eclesiástica do Concelho de Povoação, sendo para tal nomeado o Padre Ernesto Jacinto raposo, um dos mais ilustres filhos da Povoação Velha, que na altura era o pastor da Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe de Deus. Então, a partir dessa data, porque a Ribeira Quente ainda não era freguesia, os filhos desta paróquia autónoma passaram a pertencer a esta matriz referida, e São Paulo, Igreja sufragânea da antiga paroquial povoacense.

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