quinta-feira, 28 de agosto de 2008

O BARRACÃO E A ELECTRIFICAÇÃO DA IGREJA

No ano de 1936, sem razão aparente que o justificasse, a Câmara Municipal da Povoação mandou construir na zona sul do "Espraiado", quase a tocar no porto natural da Ribeira Quente, um mercado de peixe que ficou conhecido por o BARRACÃO.
O edifício, que embora não fosse uma obra de grande vulto ainda assim se destacava com sobranceria dos casebres dos moradores que lhe ficavam nas redondezas e ao lado - todos de pescadores - foi uma obra realmente desnecessária.
Perfeitamente desnecessária aceitando a lógica de que na Ribeira Quente o peixe era quase um bem comum que todos usufriam, não só os que o apanhavam, como os que, como consumidores e não pescadores, o tinham facilmente à sua volta. Os vendilhões (alguns pescadores), só o adquiriam à beira dos barcos. Por essa razão a construção deste mercado não foi aceite como melhoramento mas como agravamento das dificuldades de sobrevivência desta gente, visto que o município lhes impôs um imposto de 7% sobre o pescado que já sofria do tradicional dízimo (imposto) de 10% que o governo nacional arrecadava de cada barco, através do seu fiscal directo, o histórico guarda fiscal.
Esta situação ficou por algum tempo, até que, por força de uma obrigação de colaboração, um servidor do povo no espiritual e no material, o fez desaparecer.
No ano seguinte a este acontecimento, o então pároco da Igreja de São Paulo, o Padre João de Medeiros a quem o povo chamava de "O PADRE JOÃO COUCÃO", partia em Dezembro desse ano de 1937 para os Estados Unidos.
O Vale da Povoação não só era criador de trabalhadores para exportação, como também de ministros da Igreja.
Para o substituir, veio logo depois, mas já no começo de 1938, o Padre Cristóvão de Melo Garcia, natural da então Vila da Ribeira Grande, que durante os últimos três anos havia sido Vigário Cooperador do Ouvidor Eclesiástico do Concelho, o Padre Ernesto Jacinto Raposo.
É no período de permanência do Padre Cristóvão que a Igreja de São Paulo é electrificada, porque até então, desde a sua erecção, os serviços religiosos nocturnos eram feitos à luz de lanternas a petróleo, que foram depois a acetilene, até àquele trabalho de electrificação. O custo deste empreendimento atingiu o montante de três mil setenta e um escudos e cinquenta centavos. Foi mais um sacrifício imposto ao povo da Ribeira Quente, que o recebeu com gosto, visto que desta forma enriquecia o seu templo.
Continuava a crescer proporcionalmente o número de habitantes neste povoado, por isso também a imperiosa necessidade de serem feitas mais habitações mesmo que fossem rudimentares, para fugir à miscível caldeação e acumulação de mais de um casal a viver no mesmo quarto, situação esta sempre susceptível de acontecer em povoados bastante pobres. Também a necessidade de mais embarcações era premente.
Por ironia, se era o mar que mais facultava os meios de sobrevivência desta população, também era este quem ia aos poucos roubando a terra, o espaço vital para as suas necessidades sociais de expansão!
No ano de 1939, num dia de grande tempestade que fez crescer descomunais vagas, estas vieram atingir as terras que ainda restavam desde o começo da sua absorção pelo mar e, de tal modo que pouco ficaram destas na zona compreendida entre a chamada "Zona das Vieiras" e o começo da Ponta da Albufeira ou Fogo, porque esta parte litoral continuava desportogida e sem qualquer quebra-mar.
Nesta altura, foi a família de João Vieira Jerónimo a mais atingida por ter perdido a quase totalidade do seu terreno, incluindo a sua casa de moradia que serviu parcialmente de igreja provisória cerca de dezasseis anos, após a derrocada do segundo templo de São Paulo no ano de 1900.
Nunca existiu, relativamente aos primitivos tempos da criação de um povoado piscatório na Ribeira Quente, algo que nos elucidasse acerca do tipo de embarcações então usadas. Porém, tudo nos leva a crer que fossem muito rudimentares e ali mesmo improvisadas visto que todo o espaço montanhoso desta localidade sempre foi abundante de vegetação espontânea apropriada para a construção de pequenas embarcações. Ainda na primeira metade do século XX não só a bacia ou vale da Povoação Velha possuia madeiras de cavername, como o cedro do mato, a urze e o sanguinho (planta ramnácea), como também quase toda a área do seu concelho, incluindo a Ribeira Quente. No século XIX estas embarcações eram simples e idênticas a todas as embarcações da costa sul, mas já no começo do século XX as mesmas eram de tamanho superior às embarcações de pesca da Vila da Povoação e Faial da Terra e em maior quantidade.
Foram filhos da Ribeira Quente os primeiros a possuir e a usar redes-de-arrasto para caçar cardumes de sardinha que eram muito abundantes (na altura própria), no espaço de mar entre a Ponta da Lobeira e a da Pedreira do Nordeste, mais propriamente dito no mar da Fajã do Calhau. Por vezes, devido à grande distância entre a Ribeira Quente e esta referida fajã, os pescadores e barcos pernoitavam neste lugar de então praia permanente.
Três dos proprietários deste tipo de redes (foram 5 os proprietários) foram-se fizar, dois na Vila da Povoação, e um no Faial da Terra.
O primeiro, João Peixoto, foi mais tarde fixar-se com sete filhos no lugar do Morro da Vila da Povoação, de onde deu origem a uma familia grande e prolífera que se ramificou não só nesta vila como nas suas Lombas, Faial da Terra e América do Norte.
O segundo, João Inácio, permaneceu no seu povoado de origem, onde singrou relativamente, quer social quer economicamente.
Mas o diversificado tipo de pesca então praticado, mais acentuadamente a pesca do chicharro, sardinha, cavala ou outra, mesmo quando era abundante, não alterava substancialmente o curso de vida das famílias da Ribeira Quente ligadas ao mar, porque o produto do seu trabalho só tinha uma única saída, a do tradicional sistema de venda intermediária aos vendilhões locais ou os de fora que, por sua vez iam vender o peixe fora da localidade.
Este sistema rotineiro era inalterável porque quase não havia pesca industrial. Só em Vila Franca do campo existia uma pequena fábrica conserveira da Sociedade Dias & Dias que pouco pescado absorvia e, quando absorvia, fazia-o a preços por si estipulados.
Na Vila da Povoação existiam duas firmas com tamques de salgação só para recursos de inverno, enquanto em Ponta Delgada, na Rua da Vila Nova, existia uma pequena unidade pertencente à Firma de Laurénio Tavares & Filho que praticava a salgação em salmoura, peixe que depois exportava para o chamado mercado da saudade (América do Norte), em pequenas quantidades.
Na Rua do Calhau havia uma outra pequena fabriqueta que procedia da mesma forma. Por essa razão, e porque Ponta Delgada lhes ficava distante, colocados nesta situação, os bravos homens de mar da Ribeira Quente continuavam a sobreviver com muita dificuldade, como sempre, por não terem outra alternativa.

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