quarta-feira, 10 de setembro de 2008

RIBEIRA QUENTE E AS CHEIAS

Dentro do contexto do passado histórico, embora a ribeira da Ribeira Quente seja a única boca de saída de todas as águas pluviais ou de absorção que descem do Vale das Furnas, nas quais se incluem as de escoamento da sua lagoa, em matéria de cheias, estas nunca foram trágicas.
De um modo geral, se se excluir a Freguesia de Água Retorta, toda a área do concelho de Povoação é, de certo modo, uma zona da ilha de São Miguel considerada de risco espectante, mais propriamente dito em alturas sazonais, Outono, Inverno e parte da Primavera, devido a cheias desmesuradas.
Historicamente, a freguesia do Faial da Terra tem sido companheira da sede do seu concelho nos momentos de desgraça, quanto a cheias. Apenas quase só divididas pela cumieira que parte do Pico da Caldeira e se estende até ao Pico Longo, no decorrer dos séculos tanto a hoje a Vila da Povoação como o apertado povoado do Faisl da Terra têm sido lugares de muitas catástrofes hidrográficas.
A bacia da Povoação, quer pela sua dimensão, (3.350 hectares), quer pelos inúmeros sulcos cavados pelas águas nas encostas das suas montanhas, tornados depois regatos e ribeiras, sempre foi uma área geográfica hídrica de alto risco e quase perigo permanente. Hoje está muitíssimo agravado este alto risco porque toda ela, bacia, é uma pastagem de terras que não absorvem as águas pluviais e que, quando absorvem, logo se encharcam e cospem as águas que vão vertiginosamente formar caudal.
Por isso a Povoação é terra de cheias.
Dentro do nosso período histórico ou período em que se fez história, a cheia do ano de 1744 foi a mais trágica, visto que não só varreu muitas casas da ainda então Povoação Velha, como matou 61 pessoas que foram arrastadas para o mar. Depois, sendo já Vila, a cheia do ano de 1896 foi a que mais marcada ficou na sua verdadeira história porque, esta Grande Cheia, assim chamada, levou algumas casas e matou 12 pessoas, cujos nomes estão registados em documentação camarária.
Falando novamente da Ribeira Quente, todas as históricas chaias da sua ribeira nunca causaram mais do que maiores ou menores prejuízos materiais, porque o seu curso de águas passa ao lado.
Como já foi mais de uma vez referido, o lugar da Ribeira Quente tem uma história parcialmente encoberta, além desta agora contada.
Baseando-nos nos escritos de Fructuoso e aceitando condicionalmente algumas das suas afirmações escritas, podemos verificar que, na realidade há pedaços dos seus escritos que nos empurram par o campo das suposições, que bem podem ser verdades.
Repetindo, agora, no seu todo, o último parágrafo da página 140 do volume II do seu livro Quarto, podemos encontrar certezas e incertezas que podem ser sequências dessa enconberta história:

"A noite que amanheceu a sete de Outubro de mil e quinhentos e oitenta e oito, choveu por aquelas partes (do hoje Concelho da Povoação) tanta água, que atupiu muitas destas furnas (caldeiras) com suas enchentes e levou algumas casas com seus moradores ao mar, de que tomou bom espaço posse um pedaço de terra que quebrou do pico da Vara, mudando a Ribeira Quente de sua primeira madre, e em diversos lugares e partes desta ilha, fazendo muitas mudanças e espantosas novidades". (O entre parêntesis é do autor deste trabalho)

Notoriamente, mais apanhados da informação do que da observação, nem por isso alguns dos dados desta notícia do Dr. Fructuoso perdem mérito histórico, visto que dos mesmos constam nomes e referências indesmentíveis porque foram verdades.
ATUPIU (entupiu) era usual como era vulgar a FURNA e não caldeira. Porque ele, Fructuoso, se refere, na realidade, às Furnas e as àguas das Furnas só têm saída para o mar através da apertada garganta que se começa a formar na "Ribeira dos Tambores" e vai, mais abaixo, chamar-se ribeira da Ribeira Quente, pois nunca houve outra com esta designação nem saída. A afirmação: "mudando a Ribeira Quente (curso de água) de sua primeira madre", é sinónimo de que, antes deste acontecimento ocorrido naquele ano de 1588, a foz da ribeira da Ribeira Quente era diferente.
"e levou algumas casas com seus moradores ao mar". De certeza que não eram casas do lugar das Furnas que ainda não era povoado; por isso se pode admitir que já houvessem algumas casas de veraneantes nas margens desta ribeira.
Há muita contradição nesta informação de Fructuoso, mas o acontecimento foi um facto histórico que veio a ser reproduzido, mais tarde, em outras narrativas.
O corrimento de parte da falda sul do Pico da Vara foi, realmente, algo de vulto, visto que ainda no presente aquela perigosa falésia se encontra sem vegetação ou desguarnecida.

Quando o Dr. Fructuoso menciona no seu livro que neste lugar também veraneavam religiosos, não designa sexos, mas a toponímia vem-nos mostrar que houveram outras ocorrências históricas dentro do espaço físico da Ribeira Quente.
O "Outeiro da Freira", que geograficamente se chama "Outeiro das Freiras", foi, sem dúvida, ou propriedade de qualquer congregação religiosa, ou refúgio de freiras nos tempos corsários (mais provavelmente a primeira versão). Esta zona alta da Ribeira Quente foi, como tudo indica, a área das melhores fajãs desta localidade, antes da erupção vulcânica de 1630.
A "Eira das Freiras", conforme o mapa, é toda a zona nascente da margem da ribeira desde o litoral à primeira curvatura desse curso hídrico. Sem ser solo de formação, a sua parte plana e já no plano inclinado, foram os melhores quintais da localidade da Ribeira antes deste se terem tornado zona residencial.
Só o moinho que ali existiu (existem ruínas) se relaciona com o passado.
A zona alta continua era propriedade da familia Saraiva - que era um carpinteiro natural das Furnas que veio a casar na Ribeira Quente com uma jovem que havia sido criada pelo Padre Ângelo, já mencionado - o qual se tornou seu proprietário depois de regressar da América do Norte, por ter sido ali imigrante.

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